30 dezembro 2009

O suicídio



Ontem em uma conversa habitual antes do jantar, minha sogra falava de um rapaz que se suicidou e atribuiu a isto um ato de fraqueza, e eu como um bom ruminante, fiquei pensando naquelas palavras, o que fez submergir alguns demônios filosóficos e, por conseguinte, resolvi escrever esta pequena dissertação.

Como premissa primeira, não vejo o suicídio como uma fraqueza ou algo ontologicamente maléfico, e sim um ato contaminado pro valores axiológicos cristãos e decadentes (que nietzschiano fui agora). O ato de tirar sua própria vida é visto pela cultura dominante como um ato de fracasso e covardia, uma aberração psiquiátrica, onde o potencial suicida tem de ser curado desta maligna obsessão. Contudo, através de uma análise histórica, podemos perceber que a conotação pejorativa ligada ao suicídio advém, principalmente, da moral cristã que prega este crime como um dos maiores pecados.

Em tempos primitivos, era costume o ancião suicidar-se para promover o bem comum social. No Egito antigo, foi criada a Academia de Sinapotumenos, que ensinava aos servos morrerem junto ao faraó, para não abandoná-lo no mundo dos mortos. Na Grécia antiga, o suicídio poderia ser considerado um crime contra a sociedade, e o potencial suicida deveria comunicar seu suicídio e esperar o consenso da comunidade, contudo, o suicídio na Grécia era sentenciado àqueles que praticavam crime contra o Estado grego, o caso mais famoso foi o do filósofo Sócrates, condenado a beber cicuta depois de ser acusado de corromper a juventude e por impiedade aos deuses. Na Roma antiga, com certa influência do estoicismo, o suicídio ganha uma conotação política, como ato de resistência perante o poder político opressor, vide como exemplo a morte de Sêneca perante Nero e a de Catão diante da soberania de César. Até mesmo nos primórdios do cristianismo, era costume que uma horda de cristão tirasse a própria vida, visando o alívio dos sofrimentos terrenos e buscando o cessar da dor junto a Deus. Por isso, devido a grande parcela de cristãos que praticavam suicídio, a Igreja através do Concílio de Arles decide condenar o suicídio como um crime, pregando a ausência de rituais o repúdio de Deus ao suicidado.

Com este argumento, ao longo da história do ocidente, o suicídio foi elevado ao patamar de um tabu social, atribuindo valores negativos ao suicida, sempre condenando-o pelo crime a sua vida. Nietzsche em um de seus livros cita que "O suicídio é admitir a morte no tempo certo e com liberdade", ou como o professor Orlandi da Unicamp expressa em sua palestra sobre ética em Deleuze, o suicídio do filósofo francês foi ato extremamente singular do filósofo, onde o mesmo exerceu o direito de tirar a sua própria vida.

Levando em conta o princípio de que a vida é singular, por que temos de julgar o ato de suicídio do outro? Onde está a autonomia da pessoa em decidir se não quer mais viver? Por que devo dizer a um Deleuze que não se deve pular da janela? O que faz minha verdade e minha crença ser mais verdadeira do que a outra? Por que o suicídio é uma fraqueza se nada contra a corrente dos valores em voga em nossa cultura? Será que o ato de tirar a própria vida não advém muito mais da coragem do que da covardia?

São questões que para serem respondidas é preciso estar para além do bem e do mal...


13 comentários:

Kenia Santos disse...

Altamente inteligente. Como tudo mais que você escreve por aqui. Estou com um post no rascunho há um mês (!!!) sobre suicídio, ainda buscando conexões e fico feliz por não ter escrito ainda, ou teria perdido a sua visão. Vou linkar na minha postagem.

Abraço carinhoso e ótimo ano novo!

Hotaru Tomoe disse...

Por mais que a vida esteja ruim, acredito que enquanto ela não acabar nós podemos melhora-la. Eu não me mataria, pois eu ainda tenho muitas coisas que eu quero fazer, mas eu o que leva uma pessoa a tirar a própia vida, isso depende de cada uma, mas enquanto eu tiver esperança na vida eu quero continuar vivendo.

Ps: Não se mate cara, senão eu te mato.

Anônimo disse...

Boa noite! apresentei o blog que fiz para um amigo e ele me indicou o seu para dar uma olhada, mesmo não tendo a mesma proposta achei seu blog interessante. vai além de sofismas e galanteios retóricos como alguns blogs "filosóficos" que já encontrei. parabéns...
como disse antes a proposta é diferente, mas caso queira ver:
www.blogdogargamel.blogspot.com

Anônimo disse...

Hotaru: "A ideia do suicídio é uma grande consolação: ajuda a suportar muitas noites más." - Nietzsche

Tentei focar no texto uma nova perspectiva... por enquanto, apenas isso!

Anônimo disse...

Gargamel:Obrigado pela indicação, vou ler alguns textos!

Abraços

Duke disse...

Na fala do Hotaru Tomoe fica estampado o "niilismo ativo" de Nietzsche.

Paulo Henrique Lopes disse...

O suicídio não deixa de ser um homicídio cometido pelo lado mais expressante do ser no momento, fortificado por algum trauma, desilusão ou até alusão da realidade. Acho que não se torna uma questão religiosa ou de crença condicionada, mas sim, de proteção à vida humana. De qualquer forma, o suicídio é uma fuga, seja ela do que for...talvez por isso, ou nao.

Unknown disse...

Suicídio é a coisa mais lógica que existe nesse mundo. Se compara a uma equação matemática. Coloque todas as variáveis da vida e chegará a conclusão de que é melhor se matar mesmo. Será que as baleias cometem suícidio em massa ao nadarem para a costa? Elas são um dos animais mais inteligentes que conhecemos. Elas devem pensar... "eu só nado, fodo e tenho vontade de comer o dia inteiro... e ainda por cima sofro d+ por essas coisas". Agente faz a mesma coisa, só que mais enfeitado.

Unknown disse...

Não é uma questão de coragem ou covardia. É uma questão de necessidade, na minha opinião. Tem gente que só faz cena, adora um romance. Se você tiver medo é porque não quer se matar de verdade. E se você tiver coragem é porque é um romantico. Se simplesmente chegou a conclusão que quer se matar, tudo é falho, então vá e descanse em paz.

Chezcaio disse...

Nesse texto você não expos todos os tipos de suicidio. Se tentou, creio que idealizou demais essa ação.
Assim como existe homiciídio passional, também existe um suicídio que se dá por fortes emoções momentâneas.
Concordo que não se deve julgar um suicida, muito menos um fracassado ( este tipo, no Japão, é a pária da pária), mas deve-se ajudar. Não sou psicologo, mas sei que o suicídio não se dá somente por uma vontade interessada de escolha da morte, poucos são os que já vestem o paletó e compram seu caixão.
abraços
Adorei o Blog.

Rodrigo Queiroz disse...

Olá Felipe, bela contestação e me senti na obrigação de comentar.

O suicídio é sempre um tema polêmico, quer seja o fato da grande carga fundamentalista católica que o Ocidente está imerso ou pela cultura social desenvolvida também.

Vale considerar que o sociólogo Émile Durkheim levanta esta questão com uma nova roupagem, sendo o suicídio algo "novo" na sociedade como reflexo do modelo capitalista que se instalou.
Assim ele formata 4 tipos de suicídio em que eles sintetizam a insatisfação existencial do indivíduo oprimido emocionalmente e materialmente.

Enfim, algo é contraditório, se eu tenho livre arbítrio e direito de viver, porque não tenho direito de morrer? Entendemos então que não se trata disso, pois nós temos o dever de viver, e nos padrões estipulados, senão...

Abraços

Carlos Santos disse...

O suicídio é um exercício da extrema liberdade que o homem tem sobre seu destino.

eu disse...

No início eu não era um ser humano. Então fui materializado como um nessa realidade onde estamos. Quando eu morrer, serei liberado dos elementos e a forma que me compõem e caracterizam a minha existência passageira neste planeta. Portanto, quando me suicido eu abandono a minha forma, a minha identidade, os meus lacos, enfim, a realidade ou situação na qual me encontro e vou me manifestar em outro local do universo, em outro tempo, com uma outra forma, experimentando uma única e, consequentemente, nova existência.