20 outubro 2008

Teoria de Sistemas e Cartesianismo

René Descartes, pensador francês do século XVI, é considerado um dos fundadores do pensamento moderno. Suas contribuições estão para além da Filosofia, atingindo o âmbito científico, matemático e até teológico. Mas não pára por aí. O que muita gente não percebe é que a sua metáfora mecanicista e seu método de investigação da realidade infestou o pensamento humano desde então, persistindo até hoje.

As conseqüências foram inúmeras: da educação à medicina, passamos a ver o mundo de forma fragmentada e trabalhando de tal forma como se seus movimentos e conseqüências fossem tão previsíveis quanto os de um relógio. Marquês de Laplace, no século seguinte, disse que era até possível fazer predições através deste pensamento cartesiano (explicitado posteriormente pelas descobertas de Isaac Newton), e defendeu assim uma visão determinista de fenômenos mundanos. Sua idéia era a de que se soubéssemos o estado completo do universo em determinado momento, então através de certas leis científicas seria possível calcular o estado completo do universo em qualquer outro momento. Mas a principal questão é que, para Laplace, o determinismo não valia apenas para a física e a astronomia, mas para realmente tudo, inclusive o comportamento humano!

O conceito determinístico persistiu na mentalidade científica até o início do século XX, quando os cientistas britânicos lorde Rayleigh e sir James Jeans conseguiram calcular a quantidade de energia que um corpo negro precisaria irradiar. Através do que se acreditava na época, a energia dos corpos quentes era emitida igualmente em todas as freqüências por ondas eletromagnéticas. Isso acarretaria que a energia emitida seria infinita, já que a freqüência de ondas por segundo de um corpo é ilimitada.

Obviamente que foi observado que a energia emitida não era infinita, o que fez surgir um grande problema dentro da física. Mas ele logo foi resolvido. Em 1900, Max Planck formulou a sua teoria dizendo que as ondas eletromagnéticas, na verdade, eram emitidas em formas de pacotes, que diferenciavam entre si apenas na quantidade de energia que carregavam. A esse pacote ele deu o nome de quanta; nascia, então, a Mecânica Quântica.

Mas o determinismo de Laplace só caiu de vez em 1926, quando Werner Heisenberg formulou o seu Princípio da Incerteza. Segundo esse princípio, não é possível conhecer, ao mesmo tempo, a posição e a velocidade de uma partícula – algo essencial para que a teoria de Laplace funcionasse. Mais do que isso, o princípio de Heisenberg impôs uma limitação tal do conhecimento científico que não foi superado até hoje. Ele é o grande obstáculo para se unir a Teoria da Relatividade de Einstein com a Mecânica Quântica e gerar o que é conhecido como a Teoria de Tudo (a qual deve explicar o funcionamento de todo o universo físico).

Esse novo espírito científico vem revolucionando a nossa maneira de ver o mundo, e colocando muitas questões em nossa mente. Através de suas teorias, o mesmo corpo pode estar em vários lugares ao mesmo tempo; pode haver mais universos além do nosso, 6 dimensões além das 4 já conhecidas, como permite a teoria das Supercordas; poderíamos viajar no tempo, como possibilita teoricamente a Relatividade Geral; e como afirma a Mecânica Quântica, não há a existência da matéria, e as partículas só podem ser ditas como tal em relação a outras partículas. Elas não existem isoladamente.

E é exatamente deste último conceito quântico citado que em 1950 o biólogo Ludwig von Bertalanffy formulou a Teoria dos Sistemas, em seu livro intitulado Teoria Geral dos Sistemas. Segundo o pensamento de von Bertalanffy, os sistemas são um conjunto de partes que formam um todo integrado que, por sua vez, trabalham por um objetivo exercendo determinada função. Desta forma, não tem como, por exemplo, enxergarmos apenas um dos órgãos do corpo humano, visto que eles trabalham em conjunto, um em função e ligação com o outro. Portanto, torna-se imprescindível para o médico conhecer não apenas a sua especialidade, mas sim o corpo como um todo; corpo este que, por sua vez, é composto de um cérebro consciente e pensante, que interage em sociedade com outras consciências, e assim por diante. De acordo com a Teoria dos Sistemas, ver algo isoladamente é limitado e nunca dará uma visão real daquilo que se observa.

Essa teoria desenvolvida por von Bertalanffy está começando a ser levada a sério agora, com o alto grau de desenvolvimento da Física Quântica e o interesse gerado nessa área. Um dos principais defensores da teoria sistêmica atualmente é o físico teórico Fritjof Capra, que tem dois livros tratando especialmente deste tema: A Teia da Vida e O Ponto de Mutação, sendo este último a fonte de onde surgiu o documentário de mesmo nome, dirigido pelo irmão do autor, Bent Capra.

No entanto, ainda há muita resistência no meio científico no sentido de aceitar um pensamento como esse. Ora, os pilares da ciência atual estão todos construídos em cima do pensamento de Bacon, Descartes, Leibniz, Newton e outros pensadores mecanicistas e objetivistas. Adicione-se à isso o positivismo de Augusto Comte surgido no século XIX, e temos então 500 anos de pensamento científico não-rizomático. Não poderíamos esperar outra coisa senão uma resistência natural a uma teoria nova e completamente oposta à que está vigorando e dando resultados, de forma geral, positivos há tanto tempo. Além disso, a visão sistêmica de mundo vem sendo muito envolta em misticismos, coisa que não necessariamente condiz com ela, e que a ciência deve naturalmente questionar. O mais irônico de tudo, é que esse posicionamento científico também é explicado pela Teoria dos Sistemas: segundo ela, a resistência a mudanças deve existir para não gerar uma desigualdade dentro do próprio sistema, já que como esse é rizomático, ou seja, tem a capacidade de mudar a entrada de onde veio e a si próprio, precisa de certo retardo na resposta dinâmica de realimentação de si mesmo.

Não há dúvidas, contudo, de que é um modo de pensar revolucionário, que tem muito pra nos fornecer e que pode mudar muito nosso modo de ver o mundo, e de nos ver no mesmo. E a mudança não é apenas conceitual, pois os resultados da Teoria dos Sistemas podem ser vistos em todas as áreas da ciência, como a computação, biologia, física, sociologia, etc. A própria ciência, com o avanço do estudo quântico, vem contribuindo para a sustentação da teoria que ela tenta negar. Estamos numa fase de transição, muito parecida com a Renascença, onde a ciência tal qual a conhecemos hoje começava a dar as caras, mas os pensadores ainda estavam inevitavelmente presos ao pensamento medieval. Enquanto isso, os próprios teólogos como Duns Scot e Guilherme de Ockham, tentavam de alguma forma salvar a Idade Média, mas acabaram contribuindo para o nascimento do modernismo. Estamos escrevendo mais um importante capítulo de nossa história.


Na foto Ludwig von Bertalanffy, criador da Teoria de Sistemas.


Aline Silva
Estudante de Filosofia da USC e fascinada por Física Quântica

Um comentário:

Unknown disse...

parabens, vc trouxe esclarecimentos
importantes sobre a teoriados sitemas.

Francisca Lopes
mestranda da UFC/sobral