03 julho 2010

Religião e Intolerância


Este post, que deveria ter sido postado há um bom tempo, certamente irá desagradar à maioria das pessoas, e aparecerão por aqui comentários de protesto, o que é bom. Mas espero que eu consiga expor da forma mais clara possível os meus argumentos.
Há um tempo atrás estava lendo sobre tolerância religiosa e, refletindo sobre a natureza do pensamento religioso, penso que isso não é possível. Não através da religião. Explico: toda religião tem uma base ontológica e a crença num absoluto, de onde provém todas as coisas do mundo, além do próprio mundo, é claro. Portanto, há uma única forma de se conhecer a verdade e as coisas, que é através deste Ser ontológico. Ora, se há uma única verdade, que é aquela pregada por determinada religião, então consequentemente todas as outras estão erradas, são falsas.
Até aí tudo bem, bastante óbvio, mas além de haver uma única verdade, há uma única forma de se chegar a ela, que é através dos rituais de determinada religião. Hoje em dia pode parecer que não, mas as regras, os ritos, a atualização cosmogônica, são de fundamental importância nas crenças absolutistas, pois são as formas de comunicação com a divindade e como que "manuais" para o desígnio dos humanos nesta vida.
Se há a fala do amor ao próximo, como há na grande maioria das religiões, consequentemente seus fiéis quererão o melhor ao outro, que pra ele é, acima de tudo, a salvação ou evolução do espírito, dependendo da linha que se segue. Com isso, será natural que seu pensamento seja imposto ao outro - quer por boas intenções, quer por más.
Assim, há uma impossibilidade da tolerância através da religião. Mas isso não significa que o indivíduo religioso não possa ser tolerante - ele pode, mas não o será por causa (ou através) de sua religião, visto sua natureza ontológica de caráter absoluto.
Agora podem vir os xingamentos. :)

12 comentários:

Unknown disse...

Sinto em dizer mas o primeiro comentário não vai ser um xingamento, mas um elogio. Então parabéns pelo texto. Possui uma linha de raciocínio interessante.

O exemplo que poderia dar é o meu próprio caso. Sou ateu e muitos dos meus colegas de universidade são religiosos. Como fui religioso sei que "pregar a palavra de Deus para quem não a conhece é algo bom e que agrada a Ele" do ponto de vista do crente. E é isto o que meus colegas fazem comigo, tentando me "salvar". Só que ao fazer isso eles estão desrespeitando meu ponto de vista e até mesmo chegando a incomodar, sendo que para eles é inconcebível pensar a pregação como incômodo, mas que na verdade é.

Complexowill disse...

fantástico!
Eu não sou próprimamente ateu.
Eu acredito em uma "força maior".Sim, não é exoterismo, mas acompanho todos os eventos da minha vida de camarote, e a forma como tudo acontece, ou é uma pegadinha com câmera escondida, ou existe algum coisa se traçando e criando forma a cada segundo.

Não imagino mais se existe a "razão de ser". Não se sei se a lógica caiba nessa hipótese.Tantos filósofos e pensadores já se debateram tanto em achar razões. Talvez essa sede de razão é que não dê vazão as "grandes verdades" que devem ser observadas, a simplicidade que esconde toda essas complexidades.

E hoje, imagino que as pessoas estejam evoluindo com as demais tecnologias e correntes de pensamentos, espero que ninguém lhe xingue por dizer o que pensas (com muito acerto até)!

Jozafá Batista disse...

Aline, parabéns pelo texto. A compreensão da democracia como um processo de conversão a um "plano maior", no qual Deus redime os pecadores e instaura uma ordem social dividida entre filhos e ímpios, invalida não só a democracia, mas toda a política.
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Pode parecer um papo muito filosófico, mas o efeito concreto desta inversão surge e afeta a vida de todos. Questões fundamentais, como aborto, eutanásia, pena de morte, anencefalia, células-tronco, evolução das espécies e outras, são historicamente analisadas pelo cristão-político sob o prisma da fé, não segundo o critério da utilidade social (que seria o critério democrático).
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Religiões, especialmente as salvacionistas, não podem ser alçadas à vida social porque não a compreendem. Para o cristão não há ordem social "neutra": o mundo, mesmo o mundo político, é pecador ao não converter-se ao Senhor Jesus e esta condição pecadora é a responsável por toda sorte de "iniquidades", cabendo ao religioso, como filho e herdeiro de Jesus, impor ao mundo a única moral capaz de salvá-lo do pecado: a moral da conversão, ou seja, a própria moral religiosa.
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O argumento religioso impõe uma visão particular a todo o processo social. Em nome da Moral Correta, impõe a conversão. Em nome do fim da iniquidade, exige a submissão de todo o tecido social a uma Ordem, sendo esta pertencente uma visão religiosa, por sua vez ligada a uma instituição eclesiástica.
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Esta visão inescapável (totalizante, se quiserem) possui um nome pouco conhecido nas crônicas de nossos tempos. Chama-se Teocracia, que na minha opinião (e na de muita gente mais séria que eu) é o risco mais latente em nossos dias: na África, no Oriente Médio, na Ásia e mesmo dentro dos Estados Unidos (como pequenas comunidades independentes), a teocracia saiu da religião e venceu a política, submetendo-a a regimes despóticos.
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Com todo o respeito aos cristãos e seu direito à liberdade de culto: democracia é espaço da deliberação coletiva. Religião é o espaço da fé individual. A primeira pode auxiliar e garantir os direitos da segunda (os direitos de expressão, de organização, de liberdade etc), mas a segunda, por ser incapaz de conceber uma ordem social inteira fora da polarização Filhos X Ímpios, não pode administrá-la sem enormes riscos à democracia e, no limite, a si mesma.
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Por tudo isso, laicizar (ou, no nosso caso, descristianizar) a política é o primeiro passo para desfascistizar a sociedade. O primeiro de uma longa, longa caminhada.
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Escrevi recentemente um outro texto, mais aprofundado, sobre o assunto em meu blog, aproveitando um episódio envolvendo a candidata à presidência, Marina Silva. Aqui está o link para quem quiser conferir: http://blogdojosafa.blogspot.com/2010/06/o-direito-duvida.html

Jozafá Batista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodrigo Queiroz disse...

Olá Aline, faz tempo que não passava por aqui e sempre me é gratificante quando o faço.
Você sabe, sou sacerdote de Umbanda, professor de Teologia e de Filosofia.
Gosto do que escreve e vc tem plena razão no sentido ontológico.
Claro que é necessário buscar compreender como é que a cultura de determinada religião propoem a relação social. Pois é, há crenças em que instiga uma guerra santa às outras, outras incitam o arrebanhamento, outras tantas não, enfim.
Portanto não se trata apenas na idéia Cosmogônica da religião, mas como é que tudo isso se transforma em discurso e prática. Este sim tem sido o problema diplomático entre as religiões.
Por fim, enquanto pregarem a idéia de "TOLERÂNCIA RELIGIOSA" as coisas irão mal, pois esta idéia também é problemática, pois eu só tolero aquilo que não gosto mas devo me comportar, e cá entre nós, as religiões precisam se respeitar e não se tolerar, já o respeito acontece quando o religioso busca entender a crença do outro, sua cultura, sua antropologia, sua filosofia e sociologia religiosa, com tudo isso surge o respeito pelo o que o outro é e basta.
Não tolero o outro, eu respeito.
Grande abraço,
Ps: mantenho um link no meu blog para o seu.
Rodrigo Queiroz

Paulo Nilson disse...

Cara Aline:
A intolerância é um defeito dos homens, não da religião, necessariamente. Você bem disse que a tolerância ou sua antítese devem ser atribuídas aos homens, não a sistemas de pensamento ou crença. Existem religiões que nem têm a pretensão de salvação para seus adeptos, mas para todos os seres (budismo, e espiritismo, por exemplo). E existem sistemas materialistas que "excomungam" todos os adeptos de outras crenças, religiosas ou políticas.
Sugestão: "Porque Não Sou Cristão", de Bertrand Russel, e "As Máscaras de Deus", de Joseph Campbell.
Um abraço, e obrigado pela oportunidade de refletir sobre isso!
Paulo Nilson

SD disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
SD disse...

O que mais me irrita nos religiosos é justamente isso, eles querem nossa salvação ou 'evolução' impondo-nos a verdade deles e sendo intolerantes com nossas faltas de crenças na salvação deles.. Mas a intolerância, não só religiosa, é uma característica humana, a priori, acho difícil eliminá-la da humanidade... e nem acho necessário... a divergência é fundamental.. como haveria de existir um mundo só com tolerantes? Talvez se possa atenuar em alguns casos, em prol de alguns avanços... mas enfim, intolerâncias, além do bem e do mal, continuarão existindo!
Bacana a discussão desse assunto.. e os comentários anteriores... Acho que se trata de respeitar o direito de expressão, de haverem crenças e religiões diferentes, e não transformar o fato numa necessidade de 'tolerância'!

Karllie disse...

Olá!
Adorei seu texto, possui um ponto de vista bastante singular que tira o véu sobre as diversas manifestações religiosas que, de uma forma ou outra, buscam "tornar absoluto" certos dogmas. Lembro de ter lido o primeiro volume de História da Filosofia, de Giovanni Reale, e logo no início, há uma explanação da interferência da arte, religião e vida social de um povo sobre o desenvolvimento do pensamento. Seu texto revela um aspecto importante dessa interferência.
Não sei se cabe aqui, mas em O Cógido da Vinci, apesar inserir-se no gênero fictício, há uma boa amostra disso, com fiéis da alta camada eclesiástica cometendo atrocidades pos desígnio do Ser supremo que seguem em sua religião.

Adorei sua abordagem!!
Se me permite, gostaria de colocar o blog entre os sites recomendados de meu blog.

Abraços!!

Anônimo disse...

se partimos do que sabemos sobre a formação da cultura da inteligência humana...fomos forçados a não partilhar das primeiras verdades por um padre e um monge que detiveram todos os principais escritos "primeiros" do desenvolvimento intelecto social do ser vivo Homem...então, como podemos julgar outros se somos falhos por natureza, pois somos meia parte da verdade do que conhecemos...não há religião...não há o não há...não? É! ao conseguirmos encarar o caminho do nada, sim poderemos zerar a nossa formação e realmente ser o que há no nada. bom dia sempre!

João Flávio disse...

Só isto? Achei que o post iria ser bombástico! Filósofos mirins só se esquecem que tanto a ciência quanto a filosofia tentam verdades totalizadoras, e que fora de suas teorias não há "salvação" para nossas pobres almas ignorantes. Incidem no mesmo erro da infalibilidade do Papa!

Michel Marx disse...

Todos os que escreveram podem dizer o que quiser, mas acho que entendo perfeitamente um religioso.
A intolerância é algo do homem e não necessariamente do religioso, sendo assim, até alguns ateus são intolerantes.
Pense bem, se você tem fé(certeza em algo que não se vê), logicamente que não vai entrar em sua cabeça uma outra ''verdade'' que não seja aquele que você aprendeu. Assim é com os religiosos e com ateus. Se um religioso tenta converter um ateu ou vice versa os dois ( amigos ou não ) acabam por brigar ou algo deste tipo, já que os dois têm pensamentos diferentes.
Isto acontece desde os primórdios das eras. As Cruzadas são exemplo vivo na memória de todos, o Nazismo idem, a sociedade ''globalizada'' é outro exemplo vivo. Etc, etc, etc.