02 novembro 2008

Relativismo cultural...


Matéria: O pior emprego do mundo
Revista: Superinteressante – Março de 2008

Por Maurício Horta

Seu emprego é uma m...? Talvez, mas está longe de ser a pior profissão do mundo.
Mulheres, imaginem esvaziar fossas sépticas e carregar os excrementos humanos numa cesta sobre a cabeça. É do mal, mas pode ficar pior: Espere chegar à época das monções para as chuvas diluírem as fezes, que fatalmente escorrerão em seu rosto e roupas.
Já os homens, pensem num bueiro onde, ao abrir, saíam baratas e ratos. Quando o movimento diminui, mergulhe no caldo fétido e escuro, só de tanga e fio dental, para desobstruir as tabulações. Nada de luvas, nem máscaras para amontoar do lado de fora a massa escura feita de fezes, absorventes femininos, camisinhas e embalagens plásticas. No máximo, pás, baldes ou carriolas. Muitos morrem afogados no excremento ou envenenados pelo gás metano – resultante da fermentação das fezes -que se acumula nas galerias e ainda causa explosões letais.
Esse é o trabalho de 650 mil scavengers Indianos. Em Inglês, scavengers significa animais que se alimentam de carniça (como urubus e hienas), mas, na Índia, a palavra se tornou apelido para a profissão daqueles que nasceram na fossa da hierarquia hindu. Os dalits são a mais baixa casta, mas mesmo eles, os intocáveis, estão divididos em subcastas. Para grupos como os bhangi, pakhis, balmikis e sikkaliars, o cocô é uma opção única e hereditária. Pouca gente parece se incomodar com isso na sociedade indiana. Tanto que os mergulhadores de bueiros são contratados por empresas a serviço do poder público em cidade como Mumbai e Nove Délhi.

120 MIL TONELADAS é a massa diária de fezes produzida na Índia.
1,2 BILHÃO DE LITROS é o volume diário de urina.
18 BOMBAS ATÔMICAS seria o potencial explosivo diário do excremento indiano, caso ele fosse convertido em biogás.
R$ 0,46 é o salário mensal de um limpador de fossas indiano.

Comentário:

Para o antropólogo, por mais assustadora que for uma cultura não se deve julgá-la. Essa é uma das premissas gerais que possibilita que o trabalho desse cientista. Porém discordo em alguns pontos de tal premissa.
Por mais que tenha importância à cultura e os valores morais respectivos, tem de se entender que antes do homem ser um ser cultural ele é um ser humano e fechar os olhos diante disso é tão absurdo quanto o governo, que pelo visto estimula que pessoas possam viver em situações tão horrendas como estas.
Muitas culturas foram modeladas de acordo com as relações de poder entre as diferentes classes sociais, onde foram subjugados valores que enaltecem uma parcela da sociedade e submete outra classe a situações deploráveis como esta que acabei de relatar.
É certo que existe um relativismo cultural e que não existe uma verdade absoluta que rege todos os povos. Porém penso que todo ser humano deseja uma vida feliz (deve ser difícil viver na merda) , com condições mínimas para uma sobrevivência digna.
Já está na hora de governos como o da Índia, se tornarem mais humanos e pararem de olhar para os necessitados e excluídos como peças de um jogo de poder, onde são poucos os que colhem os frutos.

2 comentários:

Aline Deaba disse...

As pessoas não entendem que relativismo ético não significa ausência da ética.

Hipercortex disse...

Caro Felipe, seu post cumpre muito bem em demonstrar seu ponto de vista.
No entanto, ele deixa de lado a profundidade necessária ao tratar de um tópico tão polêmico dentre as ciências humanas.
Quando você diz: "tem de se entender que antes do homem ser um ser cultural ele é um ser humano", parte de um equívoco bastante comum quanto à questão primordial e mais cara à antropologia: O que é o homem?
Você parte do pressuposto, que há uma razão universal e universalista em que "ser humano" é uma categoria imutável e transcende toda e qualquer formação cultural. Há uma naturalização, quase 'biologizante', do que é o "ser humano".
O que estou lhe indagando aqui, é como você pode pré-definir o "ser humano" sem se remeter à cultura da qual pertence. Ou seja, você está partindo do pressuposto de que há uma idéia absoluta do que seja o "ser humano", sem considerar as particularidades e o entendimento próprio daquele povo sobre o que seja "ser humano". A essa postura convencionou-se chamar na antropologia de etnocentrismo, onde a centralização da cultura do observador/falante recai sobre o outro.

Para os interessados no tema, gostaria de indicar o livro O Coração das Trevas de Joseph Conrad que serviu de inspiração para o filme Apocalypse Now do Coppola.